No inicio desde século começou a aparecer, primeiro na França e depois na Rússia e na Holanda, a estrutura que se tornou emblemática da ambição modernista dentro das artes visuais até então. Surgindo nas pinturas cubistas do pré-guerra e subsequentemente tornando-se mais rigorosa e manifesta, a grade anuncia, entre outras coisas, o desejo modernista pelo silêncio, sua hostilidade à literatura, à narrativa, ao discurso. Assim, a grade fez o seu trabalho com uma eficiência impressionante. A barreira que ela estabeleceu entre as artes visuais e as narrativas foi quase que totalmente bem-sucedida, no sentido de separar as artes visuais para um reino de visualidade exclusiva, defendendo-a contra a intrusão do discurso. É claro que as artes visuais pagaram caro por este sucesso porque a fortaleza que construíram com a fundação da grade tornou-se progressivamente um gueto. Cada vez menos vozes da critica geral do establishment foram levantadas em apoio, apreciação, ou análise das artes plásticas contemporâneas.
Ainda assim é seguro dizer que nenhuma forma dentro de toda a produção estética modernista se sustentou tão implacavelmente enquanto, ao mesmo tempo, mantendo-se tão impenetrável a mudanças. Não é apenas o número total de carreiras que foram devotadas a exploração da grade que é impressionante, mas o fato desta exploração ter escolhido um campo tão pouco fértil. Como as experiências de Mondrian amplamente mostram, desenvolvimento é precisamente o que a grade resiste. Mas ninguém parece ter se detido diante deste exemplo e a prática modernista continuou a gerar cada vez mais instâncias de grades.
Existem duas maneiras com as quais a grade funciona para declarar a modernidade da arte moderna. Uma é espacial; a outra temporal. No sentido espacial, a grade atesta para a autonomia do reino da arte. Achatada, geometrizada, ordenada, ela é antinatural, antimimética, antirreal. É assim que arte se parece quando ela dá as costas à natureza. No achatamento que resulta de suas coordenadas, a grade é a maneira de reduzir as dimensões do mundo real e substituí-las pelo espaçamento lateral de uma única superfície. A regularidade generalizada de sua organização, é resultado não de uma imitação mas de um decreto estético. Na medida em que sua ordem é puramente relacional, a grade é uma maneira de revogar as reivindicações dos objetos naturais de terem uma ordem particular a eles mesmos; as relações no campo estético são postas pela grade como sendo de um mundo aparte e, em relação aos objetos naturais, como sendo, ao mesmo tempo, precedentes e finais. A grade declara o espaço da arte como sendo, simultaneamente, autônomo e autorreferente.
Na dimensão temporal, a grade é um emblema da modernidade por ser apenas isso: a forma que é onipresente na arte de nosso século mas que jamais havia aparecido, jamais mesmo, na arte do século anterior. Naquela incrível corrente de reações da qual o modernismo nasceu, nos esforços do século XIX, uma mudança final resultou na quebra desta corrente. Ao “descobrir” a grade, o cubismo, de Stijl, Mondrian, Malevich…. aterrissaram em um lugar que estava fora do alcance de qualquer coisa que aparecera antes. O que significa que eles aterrissaram no presente e tudo mais se tornou passado.

Deve-se viajar um longo percurso na história da arte para encontrar exemplos prévios da grade. Deve-se retornar aos séculos XV e XVI para tratados sobre a perspectiva e para estudos sofisticados de Uccello, Leonardo ou Dürer onde a grade da perspectiva é inserida no mundo, copiado como uma armadura de sua organização. Mas os estudos de perspectivas não são uma instância anterior das grades. As perspectivas eram, afinal de contas, a ciência do real, não uma maneira de se afastar dela. A perspectiva era uma demonstração da maneira como a realidade e sua representação podiam ser mapeadas uma na outra da mesma maneira que a pintura e seu referente no mundo real de fato se relacionavam – o primeiro sendo uma forma de conhecimento do segundo. Tudo na grade se opõe a esta relação, rompendo-a desde o início. Diferentemente da perspectiva, a grade não mapeia o espaço de uma sala ou de uma paisagem ou de um grupo de figuras sobre a superfície da pintura. Na verdade, se ela mapeia algo, ela mapeia a superfície da pintura em si. É uma transferência onde nada muda de lugar. As qualidades físicas da superfície, poderíamos dizer, são mapeadas nas dimensões estéticas da mesma superfície. E aqueles dois planos – o físico e o estético – são demonstrados como sendo o mesmo plano: coextensivos e, pelas abscissas e coordenadas da grade, coordenados. Considerados desta forma, a linha de fundo da grade é um materialismo determinado e nu.
Mas, se é sobre o materialismo que a grade vai nos fazer falar – e parece que não existe outro meio lógico de se discutir – esta não é a maneira como os artistas já a discutiram. Se abrirmos qualquer tratado – Plastic Art and Pure Plastic Art ou The Non Objective World, por exemplo – vamos encontrar que Mondrian e Malevich não estão discutindo a tela ou o pigmento ou o grafite ou qualquer outra forma de matéria. Eles estão falando sobre o Ser, a Mente ou o Espírito. Do ponto de vista deles, a grade é uma escada ao Universal e eles não estão interessados no que acontece no nível do Concreto. Ou, para falar de um exemplo mais atual, podemos pensar em Ad Reinhardt que, apesar de sua insistência na “arte pela arte”, acabou pintando uma série de nove pinturas quadradas negras nas quais o motivo que inescapavelmente aparece é a cruz grega. Não existe nenhum pintor no Ocidente que possa estar desavisado do poder simbólico da forma cruciforme e da caixa de Pandora espiritual que se abre cada vez que ela é usada.

Agora, é esta ambivalência sobre a importação da grade, uma indecisão sobre sua conexão com a matéria de um lado ou com o espírito do outro, que seus usuários mais ancestrais podem ser vistos como participantes em um drama que se estende bem além da arte. Este drama, que tomou várias formas, foi encenado em muitos lugares. Um deles foi na sala do tribunal onde, no início desde século, a ciência entrou em conflito com Deus e, ao contrário de todos os momentos anteriores, ganhou. O resultado, nos disseram os representantes dos perdedores, teria as mais catastróficas consequências: certamente o resultado seria que teríamos “inherit the wind”*. Nietzsche já havia expressado isso antes, e de maneira mais cômica, quando escreveu “nós desejávamos despertar o sentimento de soberania dos homens ao mostrar seu nascimento divino: este caminho agora está proibido desde que um macaco se postou na porta de entrada”. Segundo o julgamento de Scopes, a divisão entre espírito e matéria que foi presidido ao longo da ciência do século XIX tornou-se a herança legítima do ensino infantil do século XX. Mas também foi, não menos, a herança da arte do século XX.
Dada a fenda absoluta que se abriu entre o sagrado e o secular, o artista moderno encarou, obviamente, a necessidade de escolher entre um modo de expressão e outro. A curiosa testemunha que a grade oferece é que, nesta conjuntura, o artista tentou optar por ambos. Na crescente dessacralização do espaço no século XIX, a arte tornou-se um refúgio para as emoções religiosas; tornou-se, e continua sendo, uma forma secular de crença. Embora esta condição pudesse ser discutida abertamente no final do século XIX, tornou-se algo inadmissível no século XX, pois agora achamos indescritivelmente embaraçoso mencionar arte e espírito em uma mesma sentença.
A força peculiar da grade, sua extraordinária vida longa no espaço especializado da arte moderna, vem de seu potencial de reinar sobre este constrangimento: de mascará-lo e de revelá-lo ao mesmo tempo. No espaço de culto da arte moderna, a grade serve não apenas como um emblema mas também como um mito. Como em todos os mitos, lida com o paradoxo ou a contradição, não por meio da dissolução do paradoxo ou da resolução da contradição, mas encobrindo-os de maneira que pareçam (apenas pareçam) terem desaparecido. O poder mítico da grade é o de nos possibilitar pensar que estamos lidando com o materialismo (ou às vezes ciência, ou lógica) enquanto que, ao mesmo tempo, ela possibilita nos libertar para a crença (ou ilusão, ou ficção). Os trabalhos de Reinhardt ou de Agnes Martin seriam exemplos deste poder. E uma das fontes importantes deste poder é a maneira como a grade é, como disse antes, tão estridentemente moderna de se olhar, parecendo não haver deixado lugar para refugiar, em nenhum espaço de sua face, os vestígios do século XIX.
Ao sugerir que o sucesso da grade está de alguma forma conectado a sua estrutura mítica, posso ser acusada de estar esgarçando um ponto para além dos limites do senso comum, uma vez que os mitos são histórias e, como toda narrativa, elas se desenrolam através do tempo, enquanto que as grades, para começar, não são apenas espaciais, mas são estruturas visuais que explicitamente rejeitam uma narrativa ou qualquer modo de sequência de leitura. Mas, a noção de mito que estou usando aqui depende de um modo estruturalista de análise, no qual as feições da história são rearranjadas para formar uma organização espacial.

O motivo pelo qual os estruturalistas fazem isso é porque eles esperam entender o funcionamento dos mitos; e esta função eles vêem como uma tentativa cultural de lidar com a contradição. Ao espacializar a história – em colunas verticais, por exemplo – eles estão aptos a mostrar as feições das contradições e de mostrar como isso está subjacente nas tentativas, de uma história mítica específica, de encobrir a oposição com a narrativa. Portanto, ao analisar uma variedade de criações míticas, Lévi-Srauss encontra a existência de um conflito entre as noções antigas das origens do homem como um processo de autoctonia (o homem nasceu da terra, como plantas), e outros, depois, envolvendo as relações sexuais entre os pais. Pelo fato das primeiras formas de crença serem sacrossantas elas precisam ser mantidas mesmo que violem as visões comuns sobre sexualidade e nascimento. A função do mito é permitir que ambas visões aconteçam em algum tipo de suspensão para-lógica.
A justificativa para a violação da dimensão temporal do mito é proveniente, portanto, dos resultados das análises estruturais: ou seja, a progressão sequencial da história não atinge um resultado, ao contrário, é reprimida. O que significa que, para uma determinada cultura, a contradição é algo poderoso, algo de que não pode se livrar, mas que só irá, por assim dizer, para as profundezas. Portanto, as colunas verticais da análise estruturalista são, antes de tudo, uma maneira de desenterrar as oposições ingovernáveis que promoveram a criação do mito. Podemos criar uma analogia entre este procedimento e o da psicanálise, onde a “história” de uma vida é similarmente vista como uma tentativa de resolver contradições primárias que persistem em permanecer na estrutura do inconsciente. Pelo fato de estarem lá como elementos reprimidos, elas funcionam para promover infindáveis repetições do mesmo conflito. Portanto, outra racionalidade para as colunas verticais (a espacialização da “história”) emerge do fato de que é útil ver como cada característica da história (para a análise estruturalista estas são chamadas mitemas) enterra-se, independentemente, em um passado histórico: no caso da psicanálise este é o passado do indivíduo; para a análise do mito, este é o passado da cultura ou da tribo.
Portanto, embora a grade certamente não seja uma história, ela é uma estrutura que, além do mais, permite uma contradição entre os valores da ciência e aqueles do espiritualismo, mantendo-os dentro da consciência do modernismo, ou melhor, no seu inconsciente, como algo reprimido. Para continuar sua análise – para acessar a capacidade da grade à repressão – podemos seguir o caminho dos dois procedimentos analíticos que acabo de mencionar. Isso significa aprofundar em cada parte da contradição até as suas fundações históricas. Não importa o quanto a grade foi ausente na arte do século XIX, é precisamente nestes solos históricos que precisamos ir para encontrar suas origens.
Agora, embora a grade em si seja invisível na pintura do século XIX, ela não é totalmente ausente de um certo tipo de literatura acessória para qual a pintura concedeu uma crescente atenção. Trata-se da literatura sobre ótica fisiológica. Por volta do século XIX, o estudo sobre ótica dividiu-se em duas partes. Uma metade consistiu da análise da luz e suas propriedades físicas: seu movimento; suas características refratárias a mediada que passava pelas lentes, por exemplo; sua capacidade de ser quantificada ou mensurada. Ao conduzirem tais estudos, os cientistas pressupuseram que estas eram as características da luz em si, ou seja, como se a luz existisse independentemente da percepção humana (ou animal).
O segundo ramo da ótica se concentrava na fisiologia do mecanismo de percepção: estava preocupada com a luz e a cor como são vistos. Era o ramo da ótica que interessava diretamente aos artistas.
Qualquer que fosse a origem da informação – seja Chevreul, ou Charles Blanc, ou Rood, Helmholtz, ou mesmo Goethe – os pintores tiveram de se confrontar com um fato em particular: a membrana fisiológica através da qual a luz passa para o cérebro humano não ser transparente, como um vitrô de janela; é como um filtro, envolvido em um conjunto de distorções específicas. Para nossa percepção humana, existe um abismo intransponível entre a cor “real” e a cor “percebida”. Podemos medir a primeira; mas só podemos experienciar a segunda. E isso se dá porque, entre outras coisas, a cor está sempre envolvida na interação – uma cor afetando a visão da outra que está em seu entorno. Mesmo se olharmos para uma única cor, ainda existe interação, porque a excitação retiniana da imagem residual vai sobrepor no primeiro estímulo cromático o segundo, na sua cor complementar. Toda a questão das cores complementares, junto com todo o conjunto de harmonia das cores que os pintores construíram em sua base, foi portanto uma questão da ótica fisiológica.
Uma característica interessante dos tratados escritos sobre fisiologia ótica é o fato de serem ilustrados com grades. Por tratar-se de uma questão de demonstrar a interação de partículas específicas através de um campo contínuo, este campo era analisado dentro de estruturas modulares e repetitivas da grade. Portanto, para o artista que desejava aumentar seus conhecimentos sobre a visão no campo da ciência, a grade estava lá como a matriz do conhecimento. Pela sua própria abstração, a grade convinha para uma das leis básicas do conhecimento – a separação entre a tela perceptual daquela do mundo “real”. Isto posto, não é surpresa que a grade – como um emblema da estrutura da visão – viria cada vez mais a se tornar uma característica recorrente da pintura neo-impressionista, uma vez que Seurat, Signac, Cross, e Luce se empenharam nos estudos da ótica fisiológica. Da mesma forma que não é surpreendente que, a medida que aplicavam suas lições, mais “abstrata” tornava-se a arte deles, tanto que o critico Félix Fénéon, ao comentar sobre o trabalho de Seurat, afirma que a ciência passou a submeter-se ao seu oposto, o simbolismo.

Os simbolistas em si permaneceram inflexivelmente opostos a qualquer transição entre arte e ciência ou, sob o mesmo prisma, entre arte e “realidade”. O objeto do simbolismo era a compreensão metafísica, não o mundano; o movimento apoiava-se naqueles aspectos da cultura que eram interpretações do real ao invés de imitações deste. Portanto, poderíamos pensar que a arte simbolista seria o último lugar onde se poderia buscar uma versão insipiente das grades. Mas mais uma vez estaríamos errados.
A grade aparece na arte simbolista na forma de janelas, a presença material de seus painéis era expressa pela intervenção geométrica dos batentes da janela. O interesse do simbolismo pela janela remonta claramente ao início do século XIX e ao romantismo. Mas nas mãos dos pintores e poetas simbolistas, a imagem toma uma direção explicitamente modernista. Pois a janela é experienciada simultaneamente como transparente e opaca.
Como um veículo transparente, a janela é aquela que admite luz – ou espírito – na escuridão inicial da sala. Mas se o vidro transmite, ele também reflete. Então a janela é experienciada pelos simbolistas também como um espelho – algo que congela e aprisiona o eu (self) no espaço de sua própria duplicação. Fluindo e congelando; glace em Francês significa vidro, espelho e gelo; transparência, opacidade e água. No sistema associativo do pensamento simbolista esta liquidez aponta para duas direções. Primeiro, no sentido do nascimento – o fluído amniótico, a “origem” – mas depois, em direção ao congelamento estático ou morte – a imobilidade infecunda do espelho. Para Mallarmé, particularmente, a janela funcionava como um signo complexo e polissêmico no qual ele podia também projetar “a cristalização da realidade na arte”. Lês Fenetres de Marllamé data de 1863; a mais evocativa janela de Redon, Le Jour, apareceu em 1891 no volume Songes.
Se a janela é a matriz da ambi ou multi-valência, e as barras das janelas – a grade – são o que nos ajudam a ver, a focar, nesta matriz, são elas mesmas o símbolo do trabalho de arte simbolista. Elas funcionam como a representação, em vários níveis, através da qual o trabalho de arte pode aludir, e até mesmo reconstituir, a forma do Ser.

Não acho que seja exagero dizer que por trás de cada grade do século XX existe – como um trauma que deve ser reprimido – uma janela simbolista desfilando na forma de um tratado de ótica. Uma vez que percebemos isso, também podemos entender que na arte do século XX existem grades até mesmo onde não esperávamos encontrá-las: na arte de Matisse, por exemplo (suas Janelas), que apenas admitem abertamente a grade nos estágios finais dos papiers découpés.
Por causa de sua estrutura (e história) ambivalente a grade é completamente, até alegremente, esquizofrênica. Testemunhei e participei de arguições sobre se a grade prenuncia os aspectos centrífugos ou centrípetos do trabalho de arte. Falando logicamente, a grade se estende, em todas as direções, ao infinito. Qualquer fronteira imposta a ela por uma dada pintura ou escultura pode apenas ser vista – de acordo com esta lógica – como arbitrária. Pela força da grade, tal trabalho de arte é apresentado como um fragmento, um pequeno pedaço arbitrariamente cortado de um tecido infinitamente maior. Portanto, a grade opera da obra de arte para fora, nos levando ao conhecimento de mundo além da moldura. Esta é a leitura centrífuga. A leitura centrípeta trabalha, naturalmente, dos limites externos do objeto estético para dentro. A grade é, em relação a esta leitura, uma re-presentação de tudo que separa a obra de arte do mundo, do espaço ambiente aos outros objetos. A grade é uma introjeção das fronteiras do mundo para o interior do trabalho; é um mapeamento do espaço, dentro do chassi e em si mesmo. É um modo de repetição, sendo o seu conteúdo a natureza convencional da arte em si.
O trabalho de Mondrian, tomado em conjunto com suas várias e conflitantes leituras, é um exemplo perfeito para esta disputa. O que vemos em uma dada pintura é uma mera seção de uma continuidade implícita ou é a pintura estruturada como um todo autônomo e orgânico? Dada a consistência visual ou formal do estilo maduro de Mondrian e a paixão de seus pronunciamentos teóricos, poderíamos pensar que trabalhos deste tipo deveriam se manter em uma ou em outra posição; e porque a escolha de uma posição contém uma definição sobre a natureza e a finalidade da arte, pode-se pensar que um artista certamente não gostaria de confundir o assunto ao supostamente sugerir ambos. No entanto, é isso exatamente que Mondrian faz. Existem algumas pinturas que são irresistivelmente centrífugas, particularmente as grades verticais e horizontais vistas nas telas em forma de diamantes – o contraste entre o chassi e a grade reforça o sentido de fragmentação, como se estivéssemos olhando para uma paisagem através da janela, a moldura da janela truncando arbitrariamente nossa visão mas nunca abalando nossa certeza de que a paisagem continua além dos limites do que, pelo momento, podemos ver. Mas em outras obras, até do mesmo ano, são explicitamente centrípetas. Nestas, as linhas pretas que formam a grade nunca conseguem efetivamente atingir as margens do trabalho, e esta cesura entre os limites externos da grade e os limites externos da pintura nos força a ler o primeiro como inteiramente contido no segundo.


Porque o argumento centrífugo postula a continuidade teórica do trabalho de arte com o mundo, ele pode sustentar muitos modos diferentes do uso da grade – que variam de afirmações puramente abstratas desta continuidade, até projetos que ordenam aspectos da “realidade”, sendo esta realidade em si concebida mais ou menos abstratamente. Assim, na ponta mais abstrata deste espectro encontramos explorações do campo perceptivo (um aspecto presente no uso da grade por Agnes Martin ou Larry Poons), ou nas interações fônicas (as grades de Patrick Ireland) e, a medida que avançamos para os menos abstratos, encontramos declarações sobre a expansão infinita dos sistemas de signos feitos pelo homem (os números e os alfabetos de Jasper Johns). Movendo mais em direção ao concreto, encontramos trabalhos que organizam a “realidade” por meio de fotografias integrais (Warhol e, de maneira diferente, Chuck Close) assim como obras que são, em parte, meditações sobre espaços arquitetônicos (Louise Nevelson, por exemplo). Neste ponto, a grade tridimensional (agora uma treliça) é entendida como um modelo teórico do espaço arquitetônico em geral, nos quais, alguns pedaços, podem adquirir forma material, e no polo oposto deste tipo de pensamento, encontramos os projetos decorativos de Frank Lloyd Wright e os trabalhos dos participantes do De Stijl, como Reitveld ou Vantongerloo. (Os módulos e treliças de Sol Le Witt são manifestações tardias desta posição.)




E é claro que, para a prática centrípeta, o oposto é verdade. Concentrando na superfície do trabalho como algo completo e organizado internamente, o ramo centrípeto da prática tende não a desmaterializar a superfície, mas torná-la em si o objeto da visão. Aqui, mais uma vez, encontra-se um daqueles curiosos paradoxos que sempre marcam o uso da grade. A atitude para-além-da-moldura, ao adereçar o mundo e sua estrutura, parece traçar sua linhagem de volta para o século XIX, em relação às operações da ciência, e assim trazer as implicações positivistas e materialistas de sua herança. A atitude dentro-da-moldura, ao contrário, envolvida como está com a leitura puramente convencional e autotélica da obra de arte, pode parecer que emana puramente de origens simbolistas, carregando assim todas as leituras que se opõem à “ciência” ou ao “materialismo” – leituras que modulam o mundo como simbólico, cosmológico, espiritual, vitalista. Mesmo assim sabemos que, em geral, isso não é verdade. Por meio de um tipo de curto-circuito desta lógica, as grades dentro-da-moldura são muito mais materialistas em caráter (tome os diferentes exemplos como Alfred Jensen e Frank Stella); enquanto que exemplos para-além-da-moldura geralmente correspondem à desmaterialização da superfície, a dispersão da materialidade em centelhas perceptuais ou movimentos implícitos. E também sabemos que esta esquizofrenia permite aos artistas – desde Mondrian, até Albers, Kelly e LeWitt – a pensarem sobre a grade de ambas as formas ao mesmo tempo.
Ao discutir a operação e o caráter da grade dentro do campo geral da arte moderna tive que recorrer a termos como repressão ou esquizofrenia. Uma vez que estes termos estão sendo aplicados para fenômenos culturais e não para indivíduos, obviamente eles não se referem ao sentido literal, médico, mas apenas analogicamente: ao comparar a estrutura de uma coisa com a de outra. Os termos desta analogia ficaram claros, espero, na discussão das funções e estruturas paralelas, tanto das grades, como dos objetos estéticos, quanto dos mitos.
Mas, mais um aspecto desta analogia ainda precisa ser trazido à tona, e este é a maneira como as terminologias psicológicas funcionam a uma certa distância das terminologias da história. O que quero dizer é que falamos em uma etiologia de uma condição psicológica, não de sua história. História, como nós normalmente a usamos, implica um evento após o outro e o efeito acumulativo da mudança, o que em si é qualitativo, e implica na maneira desenvolvimentista com a qual tendemos a perceber a história. Etiologia não é desenvolvimentista. É mais uma investigação sobre em que condições uma mudança específica – a aquisição de uma doença – acontece. Neste sentido, etiologia é mais como olhar no fundo de uma experiência química, perguntando quando ou como um dado grupo de elementos se juntou para afetar um novo componente ou para precipitar algo em um meio liquido. Para a etiologia das neuroses, podemos tomar a “história” do indivíduo para explorar como se deu a formação da estrutura neurótica; mas, uma vez que a neurose é formada, somos claramente intimados a deixar de pensar em termos de “desenvolvimento” e, ao invés disso, pensarmos em repetição.
Em relação ao advento da grade na arte do século XX, existe a necessidade de se pensar em termos etiológicos ao invés de históricos. Algumas condições combinaram para levar a grade à posição de preeminência estética. Podemos falar de como estas coisas são e como elas se juntaram ao longo do século XIX para então apontar o momento da combinação química, que aconteceu, nas primeiras décadas do século XX. Mas, uma vez que a grade apareceu, tornou-se bastante resistente a mudanças. As carreiras maduras de Mondrian ou Albers são um exemplo disso. Ninguém caracterizaria o curso de décadas após décadas de seus trabalhos mais recentes, como desenvolvimentistas. Mas, ao privar seu mundo de desenvolvimento, certamente não se está privando de qualidade. Não existe uma conexão necessária entre boa arte e mudança, não importando quão condicionados estejamos a pensar que existe. Na verdade, a medida que mais e mais estendemos nossa experiência da grade, descobrimos que a coisa mais modernista a seu respeito é a capacidade de servir como um modelo anti-desenvolvimentista, anti-narrativo e anti-histórico.
Isto ocorreu nas artes visuais assim como nas artes temporais: na música, por exemplo, e na dança. Então, não seria surpresa nenhuma que, ao contemplarmos este assunto, poderíamos anunciar para a próxima temporada um projeto de performance baseado na combinação dos esforços de Phil Glass, Lucinda Childs, e Sol LeWitt: música, dança e escultura, projetados como um espaço mutuamente acessível da grade.

(*) Inherit the Wind é uma ficção sobre o Scope Monkeys Trial, de 1925, que resultou da convicção de John T. Scopes em ensinar a Teoria da Evolução de Charles Darwin nas aulas de ciência de uma escola pública, contrariando a lei estadual do Tennessee que proibia o ensino do evolucionismo.